domingo, 29 de abril de 2012

O Caminho da Física. Parte I


Costuma-se dizer que a física é uma ciência fundamentada sobre o princípio da indução. Em poucas palavras, isso significa que todas as suas conclusões universalmente válidas são formuladas depois de um número finito de experimentos que sempre conduzem aos mesmos resultados. Desse modo, afirmações universalmente válidas, como por exemplo, "não havendo obstáculos, todo objeto abandonado por um observador na terra executa uma trajetória de queda", ou, "sempre que uma corrente elétrica flui por um fio condutor, um campo magnético pode ser medido nas imediações do fio", são verdadeiras porque sempre que se realizou o experimento, o mesmo efeito se observou. Essas afirmações não garantem que os efeitos enunciados se cumprirão necessariamente em um próximo experimento, pois a conclusão indutiva sempre se baseia em um número finito de experimentos anteriores.

No entanto, alguém poderia imaginar que a física deveria também ter exemplos de conclusões fundamentadas no princípio da dedução. Einstein criou uma teoria postulando que a velocidade da luz é constante e que as leis da física são as mesmas qualquer que seja o referencial inercial no qual um observador realize um experimento. A partir desses postulados, chega-se à conclusão de que o espaço e o tempo são necessariamente relativos.

Antes de Einstein ter chegado à essa conclusão, nunca nenhum observador tinha percebido que o tempo e o espaço dependem do referencial. Além disso, Einstein alegou que tinha desconhecimento dos experimentos de sua época que não identificaram diferenças na velocidade da luz ao ser medida em diferentes referenciais. Apesar disso, depois da sua formulação, nunca foi obtido nenhum resultado experimental inconsistente com as conclusões da teoria da relatividade restrita.

Isso significa então que a física quebrou o paradigma do processo indutivo como método único para chegar às suas conclusões? Sim, mas é necessário entender que foram necessárias muitas conclusões fundamentadas em processos indutivos para que tenha chegado a essa possibilidade. Isso porque a teoria de Einstein pressupõe a existência de leis físicas, postuladas invariantes pela sua teoria. Em particular, a teoria de Einstein se refere às leis expressas pelas equações de Maxwell. Essas equações se estabeleceram na física como a ferramenta que descreve de maneira mais simples e completa as observações experimentais envolvendo campos elétricos e magnéticos, correntes elétricas e carga elétrica. Foram obtidas a partir de um processo indutivo, isto é, sua única justificativa é experimental, não havendo nenhuma dedução partindo de algum enunciado mais geral a partir da qual elas tenham sido deduzidas.          

Já se sabia antes de Einstein que as equações de Maxwell só poderiam ser invariantes com relação ao referencial se o espaço e o tempo fossem relativos. Einstein postulou sem provar a invariância das leis da física e aceitou a relatividade do espaço e do tempo que decorrem como conclusão lógica de seus postulados. Se não havia nenhuma evidência experimental a respeito da relatividade do espaço e do tempo, o que deu segurança para Einstein estabelecer aqueles postulados?

Einstein fez uma escolha -- que talvez alguns possam considerar arbitrária e subjetiva -- fundamentada em uma expectativa de que a natureza deve ser de um modo e não de outro. E essa expectativa é a de que deve existir uma lógica ou ordem intrínseca à propria natureza. Se as leis variassem de acordo com o referencial, então simplesmente deixariam de ser leis universais. Não haveria apenas uma lei, mas muitas leis, uma para cada referencial. Em outras palavras, Einstein preferiu preservar a existência das leis universais à imutabilidade do espaço e do tempo. E, ao que tudo indica, nenhum experimento foi capaz de contestar as conclusões decorrentes da sua escolha.

Infelizmente, até hoje muitos utilizam a teoria de Einstein para justificar o enunciado "tudo é relativo" em contextos estranhos à física. Em primeiro lugar, a teoria da relatividade não postula e nem chega à conclusão de que "tudo é relativo". Pelo contrário, postula que a velocidade da luz e as leis da física são absolutas e não relativas e que portanto nem tudo é relativo. Sem querer entrar no mérito da questão relativa à aplicação do enunciado "tudo é relativo" em outros contextos, como a ética, pode-se dizer com toda a certeza que utilizar a teoria da relatividade para justificar esse enunciado nesse contexto é uma falácia grosseira.

domingo, 1 de abril de 2012

O argumento moral a favor da existência de Deus de William Lane Craig

Alguém já ouviu falar em William Lane Craig? É um filósofo que ficou conhecido do grande público pelo excelente desempenho como apologista da fé em debates com ateus e agnósticos. Costuma deixar os seus adversários sem respostas para os seus argumentos. Christopher Hitchens amargou uma desastrosa derrota em debate com ele promovido pela Biola University em 4 de abril de 2009. Dawkins se recusa a debater com ele, alegando que "o que poderia ser excelente para o seu CV, talvez não seja tão bom para o meu" (ref http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/oct/20/richard-dawkins-william-lane-craig). E ao contrário do que se costuma imaginar a respeito de apologistas, sabe expor seus argumentos de maneira clara e perfeitamente lógica, sem deixar transparecer nenhum sinal das paixões pessoais ou fazer uso de argumentos sentimentalistas e fideístas.

Sua estratégia é utilizar um enfoque filosófico-analítico para as questões em debate. Esse enfoque é muito simples e extremamente eficaz. Consiste em apresentar os argumentos a favor do seu ponto de vista expondo claramente todas as premissas de modo que a conclusão deriva delas como necessidade lógica. Então convida o oponente a rebater as suas conclusões através da invalidação das premissas. Dessa forma, a defesa fica concentrada nas premissas, pois se as premissas permanecerem intactas, então a conclusão permanece irrefutada.

Os argumentos que William Craig utiliza são bem conhecidos, pois estão todos completamente expostos em seu site http://www.reasonablefaith.org. Mesmo assim, ainda não vi nenhum oponente que tenha sido capaz de invalidar uma de suas premissas. Em vez disso, costumam expor os argumentos a favor do seu ponto de vista, geralmente sem a mesma clareza e objetividade. E, ainda assim, não vi nenhum caso em que William Craig tenha se saído mal na refutação dos argumentos contrários. Tampouco o vi perder a calma e a serenidade no decorrer do debate, o que não ocorreu nos casos de Hitchens e Stephen Law. A transcrição dos debates mostra claramente isso, pois nota-se claramente como os seus oponentes vão perdendo a capacidade de concatenar coerentemente as suas idéias.

Ao ver dois de seus debates, cuja questão em discussão era "Does God exist?" (Deus existe?), um com Stephen Law e outro com Christopher Hitchens, chamou-me a atenção um dos argumentos que ele apresentou para defender racionalmente a resposta afirmativa. É um argumento moral, que pode ser resumido no seguinte silogismo:

1. Se Deus não existe, valores morais objetivos não existem.
2. O mal existe.
3. Portanto, valores morais objetivos existem.
4. Portanto, Deus existe.

Esse argumento é tão eficaz pois toca no senso moral que existe em nós e que precisa necessarimente ser abandonado para que as premissas possam ser refutadas. Então vamos lá, analisemos cada uma das premissas.

Primeira premissa: de fato, se Deus não existe, como podemos afirmar que valores morais objetivos existem? Com base em que critério pode-se afirmar a existência de valores morais objetivos? Muito bem, quando falamos em valores morais objetivos estamos dizendo que existem atos humanos objetivamente maus e atos humanos objetivamente bons. Mas como então determinar quais atos são bons e quais são maus se Deus não existe? Se estabeleço que o critério de objetividade sou eu, então tenho que explicar por que o meu critério é objetivo e o do outro que julga diferente não é. Esse argumento não se sustenta, pois seria necessário um terceiro juízo para discernir a objetividade entre opiniões opostas. Se esse terceiro juízo não é absoluto, então a objetividade desse juízo também poderia ser questionada. Também é possível estabelecer como critério o consenso social. Isso também é difícil de sustentar, pois é preciso provar que o consenso social sempre é objetivo. Outra possibilidade é estabelecer como critério a natureza biológica humana, isto é, aqueles atos que correspondem aos costumes naturais e instintivos do homem, assim como corresponde à natureza dos cachorros e lobos viverem em matilha e dos tigres viverem sozinhos. Mas primeiro é necessário identificar qual é essa natureza. Isso é impossível, pois uma das diferenças dos homens com relação aos animais é não ter todas as suas ações condicionadas pela sua natureza biológica. Há quem acredite nisso, mas então forçosamente terá que  negar o livre-arbítrio, pois todas as suas ações estariam condicionadas pela sua natureza biológica, e além disso explicar como atos contrapostos podem ter a mesma origem biológica.

Se alguém tem algum outro argumento para refutar a primeira premissa, ficaria muito contente de conhecê-lo. Vamos então para a segunda premissa. Negar essa premissa é o que há de mais comprometedor em todo o argumento. Dizer que o mal não existe impede que qualquer ateu utilize o tão frequente argumento de que havendo tanto mal no universo então é pouco plausível que Deus exista. Pois negando a existência do mal, então não pode dizer que há mal no universo. A grande "sacada" desse argumento é mostrar que o mal pesa mais a favor do que contra a existência de Deus. Mas negar que o mal existe é comprometedor por outros motivos. Por exemplo, o que autorizaria então um ateu afirmar que as ações dos nazistas foram más? O que autorizaria um ateu a afirmar que um crime hediondo - por favor, imaginem o crime que quiserem, não vou dar exemplos - é um mal?

Uma possível saída desse problema consiste em afirmar que aquelas ações são más na medida em que põe em risco a minha própria segurança, ainda que não sejam más em sentido objetivo. Especificando mais, podem dizer que se uma pessoa fere a outra, autoriza então que outras façam o mesmo com ela. Como não quer ser ferida, então é preferível não ferir a outra. Essa atitude é bem representada pela regra de ouro, que ensina "a agir com os outros do mesmo modo como gostaria que os outros agissem comigo". Mas para um ateu que nega a objetividade do mal, esse princípio está baseado apenas na necessidade pessoal de salvaguardar a própria segurança. Mas basta propor uma situação em que uma atitude má - matar, por exemplo - não colocaria em risco a própria segurança. Por exemplo, alguém poderia ser esperto o suficiente para construir uma sociedade em torno de si que lhe daria segurança e ao mesmo tempo lhe daria apoio para cometer qualquer crime que desejasse contra outras. Era por exemplo o que faziam muitas tribos nômades no passado. Viviam em grande número, muito bem armadas e soltas pelas terras ermas. Estavam seguras portanto. Ao mesmo tempo, sobreviviam do saque e da destruição das sociedades sedentárias. Para essas sociedades nômades era errado matar, estuprar e saquear? Não. Se essa tribo nômade encontrasse um grupo de pessoas indefesas trabalhando no campo, o princípio da garantia da segurança própria poderia ter algum efeito sobre a decisão desses nômades? Não, pois aniquilar essas pessoas não diminui a sua segurança. Diria até que aumenta sua segurança, pois quanto mais fracos e amedrontados estiverem os povos sedentários, maior será a sua dificuldade para fazer frente às suas invasões.

Agora, sendo você ateu, imagine-se na posição de líder desses nômades. Imagine também que em uma certa ocasião você e seu grupo encontram em lugar isolado uma única pessoa portando um diamante extremamente valioso disposta a defendê-lo até a morte, mesmo sabendo que será facilmente derrotada. Nessa situação, qualquer ateu coerente com os seus próprios princípios não encontraria outra solução a não ser matar o sujeito. Por que não o faria? Em primeiro lugar, realizando esse ato, não coloca em risco sua segurança. Se não o realiza, sabe que provavelmente outro de seu grupo o fará e talvez queira apenas para si o diamante. Isso poderia gerar disputas, colocando em risco a unidade do grupo e a sua autoridade. Do ponto de vista da segurança pessoal, o melhor nesse caso é unir todos para a conquista do diamante e depois dividir os bens do espólio de acordo com o código do grupo.

Esse exemplo é apenas ilustrativo. Poderia tratar-se também de um grupo de cavaleiros templários do tempo das cruzadas que se encontram na mesma situação. Quis apenas mostrar que há situações em que uma escolha objetivamente má é a melhor escolha do ponto de vista da segurança pessoal e dos próprios interesses. Agora, convido-o a responder a seguinte questão: quem tem a maior chance de respeitar a vida e propriedade daquele sujeito, um homem que não acredita na objetividade do valor de seus atos, ou um homem que acredita, e que além disso sabe que seus atos estão sujeitos ao julgamento e à condenação por parte de Deus?

Todo esse raciocínio tinha como objetivo mostrar como é extremamente comprometedor negar a objetividade dos valores morais. Há ainda outros argumentos muito fortes para mostrar isso. Por exemplo, com que autoridade alguém que nega a objetividade dos valores morais poderia condenar a atitude dos nazistas? Afinal de contas, eles não estavam agindo de acordo com os seus próprios valores? Como posso julgá-los e até condená-los à morte com base nos meus valores? Se o faço, o faço pois acredito que os meus valores são melhores do que os deles. Mas se eles não tinham os meus valores, qual é o fundamento da sua culpabilidade? Por outro lado, se admito a objetividade dos valores morais, então o seu julgamento é possível, pois existe uma base de valores objetivos que poderia ser reconhecido pelos nazistas e que torna culpável as suas atitudes, pois tinham a possibilidade de reconhecer a maldade de seus atos. Portanto, se não existe mal objetivo, tampouco existe culpabilidade e qualquer julgamento é inviável. Apenas na condição de existência do mal objetivo, um julgamento é viável.

Enfim, para concluir, digo que o que faz forte o argumento moral de William Lane Craig não é a sua irrefutabilidade, mas o mal estar profundo que qualquer refutação às suas premissas necessariamente provoca.