quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Lógica Genética

Uma idéia em circulação nos dias de hoje ensina que as ações de todas as pessoas tem uma finalidade imposta pela necessidade de reprodução e conservação da própria vida. Não há exceções. Essas necessidades são impulsos irrefreáveis, que derivam da própria constituição biológica da espécie animal homo sapiens.

Utilizando esse princípio e algumas hipóteses ad hoc, não há nenhum fenômeno humano que não possa ser facilmente explicado. A receita é bem simples. Primeiro, crie uma suposição sobre o comportamento do ser humano primitivo claramente associado a um desses impulsos. Depois, simplesmente relacione o comportamento atual com aquele comportamento primitivo por meio de um argumento heurístico plausível. Se o raciocínio for bem feito, a conclusão é capaz de se impor como se tivesse sido enunciado por uma testemunha imortal e onisciente.  

Há inúmeros exemplos. Por que o ser humano sorri? Simples; o sorriso era um mecanismo que o homem primitivo, que ainda não dominava a linguagem falada, utilizava para comunicar a sua submissão ao indivíduo mais forte ou a abertura à relação sexual com o indivíduo do sexo oposto. Com o tempo, o sorriso foi sendo incorporado às percepções inatas como um sinal de que o outro não quer o confronto ou de que o outro quer a aproximação sexual. Assim, o cérebro "aprendeu" a tranquilizar-se ao ver um sorriso.

Por que razão, mesmo depois de tanta tentativa de incutir na sociedade os pressupostos do movimento feminista, a mulheres na maioria dos casos dão prioridades em sua escolha a sujeitos fortes, ricos e poderosos  e os homens maior prioridade às mulheres bonitas? Simples também. Para a mulher primitiva, em um ambiente de brutalidade e ameaça constante, era-lhe vantajoso encontrar um homem capaz de proteger a ela e a sua prole (força e poder) e lhes dar sustento (riqueza). Para o homem, a vantagem seria maior quanto mais fértil fosse a mulher e menor fosse a sua carga de defeitos genéticos. A própria evolução ensinou o cérebro do homem (e também o da mulher) a reconhecer essas qualidades e a disparar o desejo sexual no momento oportuno, gerando uma fixação (ou o que nós chamamos de apaixonamento).

O mais curioso desses explicações é a sua capacidade de trivializar impiedosamente toda arte, toda poesia e toda suposta  importância que o ser humano costuma atribuir às suas paixões. Em outras palavras, é como se tais explicações estivessem sempre a escarnecer as pobres criaturas, dizendo: "ei, você aí, que pensa que o mundo se curva às suas paixões, que são as mais intensas, as mais importantes, e que são o sentido da sua vida, não vê que isso não é nada,  que você é pó, que todos os outros que são pó como você sentem o mesmo e que incuti em ti essas paixões para que com a sua tolice não se deixe perecer facilmente e nem se desinteresse da reprodução da sua espécie?".    

Esse processo natural de moldagem da espécie pode ser observada em todas as espécies animais. O surpreendente a respeito do ser humano é que ele tenha sido capaz de adquirir consciência disso. Historicamente, essa conscientização foi expressa de muitas formas. A linguagem é imperfeita, mas a intuição é capaz de perceber a descrição da mesma realidade na aparente diversidade de plataformas culturais. Ao tomar consciência da existência desses processos inatos, que influem na origem das aparentes vontades pessoais, o homem consciente encontrou-se diante da possibilidade de simplesmente dizer não aos impulsos de origem animal. Mas é de fato surpreendente, pois esses desejos não são vãos, se levarmos em conta que foram precisamente eles que garantiram a perpetuação da espécie e o saldo positivo no processo evolutivo. Estaria esse ser humano se revoltando contra os mecanismos que o geraram, obstruindo por rebeldia e desejo de auto-afirmação a normalidade do processo evolutivo?

Alguns pensadores modernos acreditam que na maior parte de sua existência, o ser humano vivia em completa entrega aos seus impulsos de origem animal. Acrescentaria que ainda hoje a maior parte das pessoas vive assim, pois o conhecimento da verdadeira motivação de suas ações exige a difícil habilidade de sair de si para buscar a realidade a respeito da própria natureza. Esse é precisamente o primeiro passo do filósofo. Um passo que terá conseqüências drásticas no seu modo de viver e sentir. Nietzche culpava a racionalidade desenvolvida pelos filósofos gregos pelo que considerou uma covarde recusa de viver de acordo com a sabedoria da própria natureza. De qualquer modo, uma vez adquirido o conhecimento a respeito de si, um passo irreversível foi dado, e nenhuma escolha na vida poderá ser realizada sem que se desconfie das verdadeiras forças que a impulsiona.
         
As respostas materialistas para o problema da consciência de si sempre vai esbarrar em alguma dificuldade. Uma resposta materialista tem que dar uma volta em torno de si mesma para encontrar um modo de explicar como a consciência das leis evolutivas naturais beneficia um indivíduo que simplesmente se recusa a seguí-las. Uma saída para o problema é dizer que a atitude dos indivíduos que agem desse modo é patológica. E então afirmar que um homem que resolveu deixar suas riquezas, seu poder e sua potencialidade sexual por desejar algo além dos impulsos naturais é um doente, um desvio acidental no trajeto evolutivo que deve ser eliminado. Ou um fraco e covarde, que teve medo de perecer na luta por riqueza e poder. De qualquer modo, alguém a ser eliminado.  

Seguindo esse raciocínio, é necessária a conclusão de que Cristo e sua doutrina têm que ser eliminados. É por isso que tanto Nietzsche quanto os evolucionistas dos nossos dias, têm se empenhado em destruir o cristianismo. Mas essa perseguição cai por terra e revela uma face verdadeiramente diabólica se de fato existe uma realidade que transcende os prazeres e bens terrenos, pela qual valha à pena abandonar as promessas de felicidade mundana.

Bem, como já mostramos, esses bens e prazeres da terra nada mais são do que os recursos que garantem a sobrevivência do indivíduo e sua perpetuação. Esses desejo não é próprio do indivíduo, isto é, ninguém pode efetivamente dizer eu quero ser rico, ter poder e uma mulher/homem do meu gosto, mas deve dizer eu herdei esses desejos, que são a garantia natural de que conservarei a minha vida e a transmitirei. Não são meus desejos, são os desejos da minha espécie. Resta então encontrar qual é o verdadeiro desejo do ser humano.    

Se o ser humano fosse de fato apenas um animal, não existiria a vontade própria do indivíduo. É o que dizem os evolucionistas modernos, conduzidos pela aplicação logicamente rigorosa de seus princípios. Se Sartre chegou à conclusão de que o homem é uma paixão inútil, todos os evolucionistas deveriam chegar à conclusão de que as paixões são úteis para a espécie. Mas nesse caso, resta um problema a ser resolvido, que é o problema do próprio evolucionista que chegou à sua conclusão e se pergunta o que fazer então.

Para ser rigorosamente coerente com os seus próprios princípios, o melhor a fazer é entregar-se à realização das paixões. Nessa perspectiva, a felicidade é um artifício natural alcançada apenas pelos homens que realizam os impulsos naturais. Mas não pensemos que entregar-se às paixões significa passar o resto da vida comendo (entenda-se no duplo sentido)  e bebendo.  Significa utilizar toda a força intelectual e física para obter segurança, riqueza, poder e filhos. O bem e o mal não estão em discussão; o que importa é obter segurança, riqueza, poder e filhos, qualquer que seja o método, contanto que o método não venha a destruir a própria vida. Não há espaço para discutir se uma ação é intrinsecamente boa ou má; é boa ou má na medida em que a ação possa construir ou destruir aqueles valores.    

Mas esse raciocínio cairia por terra se o pressuposto de que o ser humano é apenas um animal não fosse válido. De fato, o ser humano tem uma natureza espiritual, que é a única e verdadeira explicação para o fato de conseguir adquirir consciência da sua condição animal. Essa consciência da própria condição não é de modo algum um acidente nocivo à evolução, como sugeri anteriormente, mas um impulso interior que resgata o indivíduo de aspirações meramente animais para as aspirações verdadeiramente humanas. Toda a evolução existiu tendo em vista a formação do ser humano, uma criatura animal e espiritual, sujeita às leis da evolução, mas também às leis da natureza espiritual, imortal e indestrutível. Essa natureza espiritual aspira o que lhe é próprio, assim como a animal, mas suas aspirações são diferentes. A animal aspira ao que é, como ela, perecível e passageira, a espiritual aspira ao que é, como ela, eterna e permanente.

Alguém poderia exigir nesse ponto provas e evidências da existência dessa natureza espiritual. São provas e evidências análogas a que qualquer um teria para provar que o céu é azul. A evidência é a história humana, compilada nas manifestações de consciência da realidade espiritual presentes em todas as culturas. Os evolucionistas buscam todas as causas materiais possíveis para essas manifestações, tudo para não admitir a realidade espiritual. Não é difícil encontrar explicações tampão. Para isso existe até receita pronta.

Demonstrar que a realidade espiritual é verdadeira é uma tarefa tão impossível quanto demonstrar que tudo o que experienciamos é real. Alguém pode acreditar que a realidade espiritual não existe, mas isso é tão absurdo quanto acreditar que a vida é um sonho. A lógica genética tem sido utilizada como o método padrão para excluir do campo intelectual qualquer referência à transcendência da realidade humana, em uma tentativa pretensiosamente científica de dar respostas definitivas para fatos que ela está muito longe de explicar. Se de fato alguma de suas explicações tem fornecido alguma luz sobre a origem do comportamento humano, sua maior contribuição foi eliminar o que ainda restava de romantismo e idealismo no modo de ver as paixões, substituindo-os por uma visão objetiva e trivial do que antes parecia ter uma origem nobre. No entanto, além de negar a natureza espiritual, esse evolucionismo também nega a existência de qualquer sentido transcendente no universo e no homem.

Não é nada fácil explicar como foi possível que processos totalmente desprovidos de sentido tenham sido capazes de produzir indivíduos inteligentes desejosos de encontrar um sentido para a sua existência. Há dois grupos de explicações possíveis; o primeiro simplesmente admite a existência de uma realidade transcendente; o segundo, sendo materialista, não tem uma resposta simples para a questão. Entre duas explicações para um mesmo fenômeno, na impossibilidade de aferir diretamente as hipóteses, a ciência sempre optou pela mais simples. E, para esse caso, é bem claro qual das duas hipóteses é a mais simples.