domingo, 10 de novembro de 2013

O filho pródigo do Brasil

Recentemente, muitas pessoas da nossa sociedade se escandalizaram diante da divulgação, nos meios de comunicação de grande difusão, da reportagem sobre um indivíduo que dissipa uma enorme quantidade de dinheiro na noite. Se fosse uma sociedade que ainda cultivasse as virtudes da temperança, da modéstia e do pudor, teria sido fácil de entender a razão da desaprovação. Não sendo esses os reais valores em questão, resta saber por que a sensibilidade das pessoas foi afetada.

A julgar pela vida da maior parte das pessoas da geração mais jovem e pelos valores que tem sido difundidos pela indústria cultural no últimos anos, não há mesmo nenhum motivo de escândalo. No entanto, há também uma outra esfera de valores, defendida e propagandeada sobretudo pelas ideologias de tonalidade mais à esquerda. Em linhas gerais, defendem que o homem virtuoso deve ser solidário, sensível aos problemas sociais, ativo na promoção dos direitos dos desfavorecidos e, portanto, não tão centrado em si mesmo, menos individualista.

Nesse sentido, esses valores frequentemente definem como o seu mais preciso oposto o comportamento humano que coloca em primeiro lugar a satisfação pessoal, o consumo desenfreado e os interesses pessoais. Aqui no Brasil, cunharam um termo para os que são enquadrados nesse estado, dando-lhes a alcunha de "coxinha". Além disso, costumam apontar o sistema capitalista como o grande responsável pela difusão desses valores individualistas, consumistas e opressores.

Na prática, no entanto, essa separação nunca é precisa na vida cotidiana das pessoas. Muitos daqueles que defendem as teses mais à esquerda tem, na vida privada, um comportamento incompatível com o seu sistema de valores. O que temos visto na vida concreta da maior parte dessas pessoa é uma forte sobreposição entre o usufruto das vaidades oferecidas pela "propaganda capitalista" e a adoção religiosa de um discurso politicamente correto, isto é, em sintonia com aquilo que a mentalidade mais à esquerda defende.

Quem é bem experimentado na vida sabe bem que as reações de escândalo diante de fatos como esse geralmente afloram dos desejos recalcados. Quem conhece o ser humano, sabe que, não estando amparado por um bom preparo espiritual, sempre cai na tentação de dar vazão às suas paixões quando na posse do poder que o permita. Não há modelo mais preciso e verdadeiro para a condição humana do que o seu estado propício à desordem e à perversidade em decorrência do pecado original.

Sabendo que as seguintes palavras poderão causar um segundo escândalo em muitos, afirmo que a inveja foi a principal razão da reação apaixonada contra o comportamento desse filho pródigo do Brasil.    Bem encoberta por um discurso moralista de tonalidade vermelha, diga-se de passagem.

No entanto, no discurso de vozes de tonalidade mais azulada, alguns chegaram a repetir a velha crença de que os vícios privados são virtudes para a economia. É difícil de acreditar que alguém realmente acredite nisso; nas entrelinhas desse refrão é difícil deixar de ler uma boa dose de provocação e cinismo.

Um dos argumentos difundidos pelo mundo afora para defender aquele comportamento (ou talvez para provocar o povo da esquerda) se baseia no fato de que esses esbanjadores, para conservarem seu estilo de vida, empregam muitas pessoas, dando-lhes trabalho, e, portanto, fazendo-lhes o bem. Acrescentando aí o fato de que esses empregados são pobres, tem ainda a cara-de-pau de dizer que os desregrados ajudam mais os desfavorecidos do que os propagadores de discursos esquerdistas.

Esse tipo de discurso é típico de quem é incapaz de se colocar no lugar do outro. Entre as duas opções, o que é melhor, servir a um senhor bom, virtuoso e honesto ou a um senhor escravo das suas paixões? Qual dos dois seria mais confiável, qual dos dois saberia motivar melhor o seu empregado para desenvolver ao máximo suas potencialidades humanas? O que é melhor, ser "senhor de um outro senhor", ou "um servo de um outro servo"?

Na verdade, são nefastas as implicações para a economia e para a sociedade de senhores que contratam pessoas para trabalhar na edificação de seus vícios pessoais. Esse tipo de atividade é incapaz de construir riqueza de valor perdurável. Ao mesmo tempo, ao reforçar exemplos de pouca laboriosidade e virtude, desistimula as pessoas ao trabalho, espalhando em todas as classes sociais o desprezo pela excelência moral em favor da vida regalada. Consequentemente, o potencial de riqueza de uma nação, como um todo, fica prejudicado, pois o trabalho das pessoas tende a ficar muito aquém de sua real potencialidade. Ao mesmo tempo, produz uma deseducação cultural, pois corrói uma parte importante do capital cultural de uma sociedade, que são as suas tradições e costumes. Essas são transmitidas pelos seus antepessados como soluções genuínas e eficazes contra o caos social gerado pelos vícios privados. Em outras palavras, atividades econômicas à serviço de comportamento viciosos sempre conduzem à desintegração da sociedade, que por sua vez, voltam a ter impactos negativos na economia.      

De certa forma, todas essas reações, independentemente de sua causa, e ainda que farisaicas, sempre tem o efeito positivo de desencorajar um tipo de comportamento vicioso que não pode ser enquadrado como crime. Ao contrário, quem afirma que esse tipo de comportamento é positivo para a economia, só está atrasando o processo natural de eliminação de um foco de desintegração social. O problema pode aumentar, minando efetivamente a moral e a capacidade de uma sociedade. E, se isso acontecesse, parte dos responsáveis terão sido aqueles que, em vez de condenar o vício, louvaram-no com a falsa justificativa de utilidade econômica.
 

domingo, 3 de novembro de 2013

A arrogância dos macacos pelados

O espírito da sociedade moderna parece ter se tornado completamente cega para a potência monumental da natureza. Engana-se na ilusão de que já está completamente dominada pela ciência humana. Imerso em  um universo totalmente artificial, quase sempre protegido das adversidades naturais, perdeu a noção da sua impotência em face das forças brutais do universo que o cerca.

Como consequência, perdeu o contato com a realidade e vive inconsciente de que logo será engolido por um turbilhão monstruoso que o reduzirá a pó. No passado, tanto as grandes civilizações quanto as culturas de pequeno porte, deram testemunho através de sua produção cultural da sensibilidade para os grandes problemas da existência e os seus mistérios; a saber, a morte, a origem da vida e o poder brutal da natureza.

Para a perplexidade geral, em nossos tempos, declaramos superadas todas essas preocupações do antepassados. Pensamos que eles eram apenas homens primitivos, amendrotados diante de uma natureza que não podiam controlar e entender. Trivializamos a realidade.

O que antes parecia grande, belo, amedrontador, quase infinito, nada mais é do que algo trivial em grande escala. Tomemos como exemplo o mar, tão grande, tão misterioso, tão irregular, que no passado fascinou todas as sociedades. Hoje, nada mais é do que um meio contínuo, perfeitamente descritível por meio da mecânica dos fluidos.  Em princípio, a ciência é capaz de mimetizar perfeitamente todas as ondas e seus fenômenos outrora tão misteriosos. A sua bela cor nada mais é do que o efeito do padrão de absorção e espalhamento da luz das moléculas ali presentes.

Em poucas palavras, o universo inteiro foi reduzido a um amontoado enorme de partículas, com regras de interação bem definidas, e com simetrias e estruturas periódicas que se estendem por todo o espaço. Como escreveu Gustavo Corção no segundo volume de Dois Amores e Duas Cidades, o universo, nessa perspectiva, parece uma imensa cadeia, com um número enorme de celas, todas iguais, monotonamente iguais.  Tanto é verdade que até hoje nada se conseguiu além de uma literatura insossa quando tentaram fazer divulgação científica através de estorinhas (Contato de Carl Sagan é um bom exemplo). Essa perspectiva reducionista da realidade é um veneno mortífero para a imaginação.    

Ou seja, já não há mais espaço para o mistério. Está tudo compreendido, tipificado. O ser humano nada mais é do que um amontoado de moléculas escolhidas e dispostas sabiamente pela evolução de modo a interagir para compor um organismo. A vida nada mais é do que uma organização originada do "acaso". Somos frutos do acaso, compostos apenas de matéria.

Sendo tudo fruto do acaso e pura matéria, já não há mais por que buscar uma razão para o ser. As coisas simplesmente existem, as que tem vida nascem e morrem. Não há um criador, apenas a matéria e suas leis, que tudo cria, recria e tranforma.

Muito bem, nesse ponto, não posso deixar de manifestar a minha recusa a adotar tal visão de mundo.

Em primeiro lugar, a ciência ainda é incapaz de responder e prever uma infinidade de fenônemos, isso sem mencionar os fenômenos que na verdade ela não explica, apesar de muitos pensarem o contrário. Já há quase um século que a teoria que melhor descreve os fenômenos microscópicos, a mecânica quântica, ainda não tem uma interpretação "clara e distinta". Quem é físico sabe bem: ao especialista da área pouco interessa a interpretação para o sucesso de suas aplicações, o importante é saber utilizá-la.

A teoria da evolução é ainda muito mais frágil, sem contar o fato de que ela não é capaz de prever nada que não seja trivial. Essa teoria não satisfaz todos os pré-requisitos do método científico, em particular o da experimentação. Isso pelo simples fato de que, por assumir uma escala de tempo enorme, nenhum experimento pode ser feito para verificá-la. O ponto fraco da teoria é habilmente escondido, enquanto que o ponto forte é apresentado como a sua demonstração completa e irrefutável. O ponto forte é a seleção natural: ela ocorre e isso pode ser demonstrado experimentalmente. Mas isso quando a diversidade genética já está presente na espécie: ninguém até hoje explicou como, magicamente, no momento da necessidade de adaptação, havia uns indivíduos com as mutações exatamente necessárias. A mutação e a mudança no ambiente são eventos não correlacionados, de modo que a probabilidade de acontecerem simultaneamente é baixa. Por isso, a teoria exige uma quantidade monstruosa de recombinações genéticas e mutações aleatórias, isto é, muitas reproduções e muito tempo. É estranho, pois a escala de tempo da mudança ambiental é muito menor do que a exigida para a ocorrência de mutações. Talvez não no caso de bactérias e "algoritmos genéticos", mas isso está muito longe de se aplicar igualmente a seres mais complexos.

O problema está em acreditar que a ciência realmente explica tudo. Penso que o mesmo se pode afirmar a respeito da esperança de que um dia irá explicar tudo. No fundo, o verdadeiro motivo para que muitos se apeguem a essa crença é a necessidade pessoal de negar o fato de que o universo tem uma finalidade. Pois se tem uma finalidade, necessariamente teve que ser criado por um Ser inteligente. Se assim for, toda criatura deve a ele sua existência e de alguma forma está implicada no Seu projeto.

Há um enorme medo do transcendental, do grandioso, daquilo que supera a pequenez evidente da humanidade. Para os espíritos acomodados, é mais confortável se iludir na sua convicção de que sua inteligência e vontade é o que há de maior na natureza. Mas a verdade patente é que não passamos de homens pobres, nus e pateticamente frágeis. Fechamos os olhos para essa realidade e, de alguma forma, nos tornamos mais burros do que os nossos antepassados, que desprezamos.

Uma farsa monstruosa não vai anular o fato de que todos um dia terão que responder perante o tribunal do Criador pelo que fez. É bom pensar bem, pois, como sugere a analogia de Pascal, o risco de "apostar" na tese materialista é imensamente maior.