terça-feira, 22 de abril de 2014

Um problema central do nosso país: a dívida pública


Neste ano de eleição, faz-se necessário pensar os principais problemas do nosso país e verificar quais candidatos tem respostas satisfatórias para administrá-los. Há muitos problemas, mas um deles merece destaque, pois é urgente e a solução de todos os outros depende dele. É o problema da dívida pública.

A primeira intenção deste texto é mostrar por que motivo esse problema é grave.  Depois, é proposto, em linhas gerais, um posível caminho para sua solução. Ao mesmo tempo, são destacadas algumas dificuldades para implementá-la. Em todo caso, dificuldades essas menores do que o mal inevitável da insistência em rolar e agravar ainda mais a dívida.

Durante  os governos de Lula e Dilma, foi feita uma opção por políticas monetárias expansionistas. O que isso significa? Significa que o governo colocou mais dinheiro em circulação. Como isso? Permitindo aos bancos uma diminuição da porcentagem do compulsório, isto é, da fração dos depósitos que não podem ser convertidos em crédito. O governo consegue com isso dois benefícios. Em primeiro lugar, é criado crédito para financiar a sua própria dívida, permitindo-lhe manter um grau de investimento não compatível com a sua arrecadação. Em segundo lugar, é criado crédito para as pessoas físicas e jurídicas, estimulando o consumo.

Até aqui, parece uma solução inteligente. O governo tem à sua disposição recursos para realizar as obras de infra-estrutura necessárias ao país. Os empresários (pequenos, médios e grandes) conseguem dinheiro para expandir os seus negócios; ao mesmo tempo, também é facilitado às pessoas físicas o acesso ao crédito. Desse modo, as pessoas terão mais dinheiro à disposição para comprar o que querem, sem necessidade de fazer poupança, de modo que os empresários poderão ficar mais seguros sobre o retorno de seus investimentos.    

No entanto, esse artifício tem um custo muito alto. Em primeiro lugar, para atrair compradores de títulos de sua dívida, o governo utiliza juros altos. Esses juros vão acumulando ao longo dos anos, como uma bola de neve, e o governo tem que destinar parte do que arrecada para pagá-los. Como boa parte do orçamento é destinado ao pagamento da dívida, sobra menos dinheiro para o governo investir diretamente nos serviços sociais. Para que se tenha idéia do problema, em 2013, 42% do orçamento federal foi destinado ao pagamento de dívida, enquanto à educação, por exemplo, foi destinado 8% do orçamento, e, ao bolsa família, apenas 0,4%. Por causa da necessidade de honrar a sua dívida, o governo fica sem dinheiro para investir nas áreas mais relevantes para o desenvolvimento social.

Além disso, ainda há um outro problema. Se o governo resolve baixar os juros, pode acontecer um desastre. Aqueles investidores já não se sentem mais atraídos a emprestar dinheiro para o governo, já que os juros baixos não lhe trarão tanto lucro. O que eles fazem então? Eles começam a emprestar para as empresas e pessoas, a um juros um pouco mais alto do que o do governo.  Como os juros estão baixos de qualquer forma, e a economia se encontra artificialmente aquecida pelos estímulos do governo, muitos estarão dispostos a contrair empréstimos. Com isso, uma quantidade excessiva de dinheiro começa a afluir para a economia. Então os preços começam a aumentar, potencializando a inflação.

A inflação, por sua vez, causa enorme prejuízos à população, sobretudo aos que tem menor renda, pois o seu poder de compra diminui. Os que vivem na linha da pobreza, podem ver-se carentes de bens para surprir suas necessidades imediatas. Com razão, a população culpa o governo por esse desastre e não o elegerá nas próximas eleições.

É por esse motivo que os governos tem feito de tudo para evitar a inflação. Mas, como vimos, a única ferramente de que se valem para isso é o aumento dos juros, que, por sua vez, agrava a dívida e obriga o governo a reservar mais recursos do seu orçamento para amortizá-las. Em todos os casos, é a população que paga: se os juros diminuem, a inflação aumenta, diminuindo o seu poder de compra; se os juros aumentam, o orçamento do governo, cujas receitas são os impostos pagos pela população, tem que reservar uma percentagem brutal para pagar a dívida.

Logicamente, não é preciso ser muito esperto para perceber que alguém deve estar levando a melhor nesse arranjo de coisas. Se 42% do orçamento de 2013 - que no total era de R\$ 2,14 trilhões - foi destinado para o pagamento de dívidas, alguém a está recebendo o dinheiro. É óbvio que são aqueles que emprestaram o dinheiro para o governo. Quem são esses?

Embora muitos culpem o capital estrangeiro, apenas 16% do total dos títulos da dívida estão nas mãos deles. Por volta de 50% estão nas mão de fundos. Esses fundos são grandes quantidades de dinheiro que os bancos e outras agências captam das pessoas físicas e jurídicas. Eles prometem aos seus clientes um certo rendimento e para conseguir o prometido investem em títulos do governo. Como bonificação pelo serviço prestado, o banco fica com uma certa porcentagem do rendimento. Com isso, o banco consegue lucrar, sem necessidade de investir diretamente em uma atividade realmente produtiva. Aparentemente, tem existido uma relação simbiótica entre o governo do PT, os bancos e os grandes fundos de pensão.

Eis aqui o grande paradoxo do governo PT. Por um lado, ao adotar uma política de expansão monetária e expansão do crédito, ele se alinha a uma vertente da economia defendida sobretudo pela esquerda. Por outro lado, ao assegurar o lucro dos bancos com esses títulos, é acusado pela mesma esquerda de estar alinhado ao neoliberalismo e aos interesse dos banqueiros.

Se o governo continuar essa política de expansão monetária, já de cara a sociedade brasileira terá um grande prejuízo: o estado não terá o dinheiro necessário para realizar as mudanças que a população jovem - romântica, ingênua e desinformada, diga-se de passagem - tanto quer: educação, saúde etc. Então, meus caros amigos dos protestos de 2013, pensem bem antes de votar em um governo que armou uma grande armadilha para o país e que jamais será capaz de cumprir as suas reivindicações se continuar expandindo a dívida. Além disso, pensem ainda em outro ponto: apesar de ter contraído uma  dívida monstrenga, a sociedade não teve nenhum retorno em bens públicos e infra-estrutura. O governo Lula e Dilma foram incapazes de dar uma resposta satisfatória para o problema dos gargalos estruturais do nosso país.

Como mostramos, o governo já está em um círculo vicioso do qual não consegue sair. Ele está sem saída e não encontra nenhuma solução para diminuir os juros sem com isso produzir inflação. Há uma solução, no entanto: uma redução apreciável da dívida, que já está na casa dos R$ 2,123 trilhões.  Tendo mostrado que a dívida é um problema seríssimo para o nosso país, agora faz-se necessário buscar uma solução para o problema.

É evidente que a primeira coisa a ser feita pelo governo, se ele de fato quer quitar a sua dívida, é interromper a política de expansão monetária. No entanto, esse passo por si só já exigirá uma mudança de postura. Será necessário despir-se da fantasia de que o estado pode tudo, para encarar a realidade de que só se pode gastar aquilo que efetivamente é arrecadado. Isso exigiria do governo a competência para otimizar o emprego dos recursos, mas sem prejudicar a parcela da população mais necessitada.

Infelizmente, o custo político desse tipo de decisão é muito alto, não por causa da população, mas da própria classe política que se aproveita do desvio e do mau uso do dinheiro público. Também por causa dos banqueiros, empresários e pensionistas, que certamente reagiriam para evitar a instituição de condições mais equânimes que terminariam por diminuir-lhes as vantagens.  Um governo sério teria que enfrentar esses grupos, que infelizmente tem o poder de fazer muito barulho. Da nossa parte, podemos fazer um pouco para mudar a situação. Se cada um de nós se esforçar por buscar um candidato idôneo para o poder executivo e legislativo, isto é, pessoas realmente comprometidas com a justiça e o bem comum, então o nosso país poderá começar a mudar. Mas será que haverá candidatos assim?

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Sobre a possibilidade de um conservadorismo racional

Recentemente, Joel Pinheiro publicou um pequeno artigo em que faz uma crítica ao pensamento do conservador norte americano Russel Kirk ("Crítica aos dez princípios conservadores"). Desconheço a obra e o pensamento de Kirk, então não escrevo com a intenção de defender as idéias deste autor. No entanto, Joel julga Kirk como um expoente do conservadorismo acima da maior parte dos outros, de modo que, se sua crítica vai dirigida a apenas um, considerado entre os mais inteligentes e moderados, na verdade termina por abranger o conservadorismo como um todo.

Entre as várias críticas formuladas, respondo aqui apenas uma: a de que o conservadorismo tem o irracionalismo como fim. Em poucas palavras, o argumento de Joel pode ser formulado da seguinte maneira. (1) O conservadorismo tem como fim ensinar que a ação política deve somente se pautar pelos preceitos do passado e pela impossibilidade de aperfeiçoamento da sociedade. (2) A aplicação desses critérios é automática, isto é, prescinde da inteligência operante no ato da decisão. (3) Portanto, o conservadorismo tem o irracionalismo como fim.

Formulado nesses termos, seria impossível negar a crítica. No entanto, os pressupostos que levaram a essa conclusão não são essenciais ao conservadorismo, a não ser que ele seja entendido de maneira muito restritiva, isto é, entendido como uma doutrina que necessariamente inclui esses pressupostos. O objetivo desse breve texto é mostrar que esses pressupostos não são necessários ao conservadorismo.

Em primeiro lugar, o princípio da prescrição não exige uma interpretação tão restritiva. Ele apenas afirma que a prescrição tem muita importância, mas não diz que não se deva pensar sobre a razão da prescrição nem diz que ela deva sempre ser seguida. O que é crucial no pensamento conservador é a percepção de que a prescrição geralmente está baseada em uma adaptação social a um desequilíbrio. Consequentemente, é importante levar em conta a prescrição, pois há uma grande chance de que ela seja imprescindível para a manutenção do equilíbrio da sociedade e do indivíduo. O que o conservadorismo aconselha não é a obediência irrefletida a ela, mas sim a cautela e reflexão antes de modificar ou ignorar um preceito, caso pareça necessário.

O segundo ponto equivocado é a noção de que o princípio da imperfeição tenha como implicação necessária a impossibilidade do aperfeiçoamento. O princípio da imperfeição simplesmente assume que não há possibilidade de perfeição absoluta no campo político ou pessoal. Em termos práticos, isso significa que é impossível formular um projeto político que tenha como implicação necessária a satisfação de todos os indivíduos. Um outro corolário desse princípio é a noção de que é vã toda e qualquer solução que assuma a perfeição pessoal de todos os indivíduos.

No entanto, o conservadorismo assume que de fato existem uma ou muitas soluções boas, dependendo das circunstâncias reais. Ao contrário do marxismo e do liberalismo absoluto, que partem do princípio de que há essencialmente uma única receita para todos os problemas sociais e econômicos, o conservadorismo parte do princípio de que cada problema concreto tem uma boa solução, não perfeita, mas peculiar. Evidentemente, para encontrar a solução ao problema concreto, faz-se necessário o uso da razão. Ao contrário das doutrinas de método fechado, não são impostas tantas restrições, e a razão pode ser aplicada aos problemas concretos com maior versatilidade, e chegar de modo mais eficaz à solução ótima do problema.

Fica demonstrada portanto a possibilidade da racionalidade no conservadorismo. Mais do que isso, fica demonstrada a possibilidade do exercício mais livre da racionalidade no conservadorismo em comparação com as doutrinas de método fechado. Ao mesmo tempo, também foi esclarecido que o princípio da prescrição, quando corretamente entendido, pode ser perfeitamente compatível com a razão, dependendo apenas de quais são as suposições sobre a natureza da prescrição. Esperamos que os argumentos aqui apresentados tenham sido suficientemente claros e que já não haja mais possibilidade, pelo menos dentro do exercício legítimo da lógica, de questionar a racionalidade do conservadorismo.

sábado, 5 de abril de 2014

Religião x Ciência: uma equiparação inadequada

Comentário ao texto "Em que devo crer", de Júlio Lemos, publicado no blog da revista Dicta e Contradicta

A aparente força do argumento de Júlio Lemos vem da equiparação inadequada da ciência natural com a religião.

A equiparação é inadequada pois a ciência natural e religião operam sobre âmbitos distintos da realidade. A ciência natural apenas opera sobre objetos que tem alguma propriedade física. Isso é assim por que suas conclusões são derivadas e testadas por algum tipo de medida sobre objetos materiais. A medida pressupõe a materialidade do objeto, pois ela é necessária para que seja possível a interação entre o instrumento de medida, que é material, e o próprio objeto.

A não ser que se postule um universo onde apenas o que é passível de ser medido exista, há espaço dentro da racionalidade para a especulação sobre a existência do imensurável. Entre as muitas possibilidades de objetos ou entidades imensuráveis, seja por carecerem de materialidade, ou por possuírem uma materialidade distinta da matéria conhecida, não interagente com ela, está Deus. Sendo imensurável, está absolutamente fora do âmbito da ciência natural a possibilidade de derivar ou testar qualquer conhecimento a respeito dele.

A Religião, pela própria definição, é a relação do homem com Deus. Na medida em que está fora da possibilidade da ciência natural ter como objeto de conhecimento o incomensurável, não pode nem endossar nem negar a religião. Para negar a religião é necessário, na verdade, postular a priori a inexistência do incomensurável.

Não podendo recorrer à ciência natural para alcançar uma resposta sobre o que a transcende, aquele que não aceita tal restrição apriorística tem de buscar respostas na Metafísica e na Religião.

Julio Lemos tem razão ao afirmar que a impossibilidade da comprovação empírica das verdades que transcendem o mundo empíreo dá margem a uma multiplicação enorme de sistemas doutrinários. No entanto, é possível aplicar critérios racionais para verificar qual delas deve ser escolhida. Os critérios são os seguintes
(1) Excelência moral entre os que praticam e ensinam aquela doutrina
(2) Comprovação pessoal de que a prática dos preceitos ensinados resultaram em um aperfeiçoamento pessoal
(3) Percepção de que a influência histórica daquela doutrina foi positiva para a civilização
(4) Perenidade e unidade

Muitos outros critérios úteis e válidos são possíveis, alguns dos quais foram bem destacados por Renato Rocha.