quarta-feira, 9 de abril de 2014

Sobre a possibilidade de um conservadorismo racional

Recentemente, Joel Pinheiro publicou um pequeno artigo em que faz uma crítica ao pensamento do conservador norte americano Russel Kirk ("Crítica aos dez princípios conservadores"). Desconheço a obra e o pensamento de Kirk, então não escrevo com a intenção de defender as idéias deste autor. No entanto, Joel julga Kirk como um expoente do conservadorismo acima da maior parte dos outros, de modo que, se sua crítica vai dirigida a apenas um, considerado entre os mais inteligentes e moderados, na verdade termina por abranger o conservadorismo como um todo.

Entre as várias críticas formuladas, respondo aqui apenas uma: a de que o conservadorismo tem o irracionalismo como fim. Em poucas palavras, o argumento de Joel pode ser formulado da seguinte maneira. (1) O conservadorismo tem como fim ensinar que a ação política deve somente se pautar pelos preceitos do passado e pela impossibilidade de aperfeiçoamento da sociedade. (2) A aplicação desses critérios é automática, isto é, prescinde da inteligência operante no ato da decisão. (3) Portanto, o conservadorismo tem o irracionalismo como fim.

Formulado nesses termos, seria impossível negar a crítica. No entanto, os pressupostos que levaram a essa conclusão não são essenciais ao conservadorismo, a não ser que ele seja entendido de maneira muito restritiva, isto é, entendido como uma doutrina que necessariamente inclui esses pressupostos. O objetivo desse breve texto é mostrar que esses pressupostos não são necessários ao conservadorismo.

Em primeiro lugar, o princípio da prescrição não exige uma interpretação tão restritiva. Ele apenas afirma que a prescrição tem muita importância, mas não diz que não se deva pensar sobre a razão da prescrição nem diz que ela deva sempre ser seguida. O que é crucial no pensamento conservador é a percepção de que a prescrição geralmente está baseada em uma adaptação social a um desequilíbrio. Consequentemente, é importante levar em conta a prescrição, pois há uma grande chance de que ela seja imprescindível para a manutenção do equilíbrio da sociedade e do indivíduo. O que o conservadorismo aconselha não é a obediência irrefletida a ela, mas sim a cautela e reflexão antes de modificar ou ignorar um preceito, caso pareça necessário.

O segundo ponto equivocado é a noção de que o princípio da imperfeição tenha como implicação necessária a impossibilidade do aperfeiçoamento. O princípio da imperfeição simplesmente assume que não há possibilidade de perfeição absoluta no campo político ou pessoal. Em termos práticos, isso significa que é impossível formular um projeto político que tenha como implicação necessária a satisfação de todos os indivíduos. Um outro corolário desse princípio é a noção de que é vã toda e qualquer solução que assuma a perfeição pessoal de todos os indivíduos.

No entanto, o conservadorismo assume que de fato existem uma ou muitas soluções boas, dependendo das circunstâncias reais. Ao contrário do marxismo e do liberalismo absoluto, que partem do princípio de que há essencialmente uma única receita para todos os problemas sociais e econômicos, o conservadorismo parte do princípio de que cada problema concreto tem uma boa solução, não perfeita, mas peculiar. Evidentemente, para encontrar a solução ao problema concreto, faz-se necessário o uso da razão. Ao contrário das doutrinas de método fechado, não são impostas tantas restrições, e a razão pode ser aplicada aos problemas concretos com maior versatilidade, e chegar de modo mais eficaz à solução ótima do problema.

Fica demonstrada portanto a possibilidade da racionalidade no conservadorismo. Mais do que isso, fica demonstrada a possibilidade do exercício mais livre da racionalidade no conservadorismo em comparação com as doutrinas de método fechado. Ao mesmo tempo, também foi esclarecido que o princípio da prescrição, quando corretamente entendido, pode ser perfeitamente compatível com a razão, dependendo apenas de quais são as suposições sobre a natureza da prescrição. Esperamos que os argumentos aqui apresentados tenham sido suficientemente claros e que já não haja mais possibilidade, pelo menos dentro do exercício legítimo da lógica, de questionar a racionalidade do conservadorismo.

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