sábado, 5 de abril de 2014

Religião x Ciência: uma equiparação inadequada

Comentário ao texto "Em que devo crer", de Júlio Lemos, publicado no blog da revista Dicta e Contradicta

A aparente força do argumento de Júlio Lemos vem da equiparação inadequada da ciência natural com a religião.

A equiparação é inadequada pois a ciência natural e religião operam sobre âmbitos distintos da realidade. A ciência natural apenas opera sobre objetos que tem alguma propriedade física. Isso é assim por que suas conclusões são derivadas e testadas por algum tipo de medida sobre objetos materiais. A medida pressupõe a materialidade do objeto, pois ela é necessária para que seja possível a interação entre o instrumento de medida, que é material, e o próprio objeto.

A não ser que se postule um universo onde apenas o que é passível de ser medido exista, há espaço dentro da racionalidade para a especulação sobre a existência do imensurável. Entre as muitas possibilidades de objetos ou entidades imensuráveis, seja por carecerem de materialidade, ou por possuírem uma materialidade distinta da matéria conhecida, não interagente com ela, está Deus. Sendo imensurável, está absolutamente fora do âmbito da ciência natural a possibilidade de derivar ou testar qualquer conhecimento a respeito dele.

A Religião, pela própria definição, é a relação do homem com Deus. Na medida em que está fora da possibilidade da ciência natural ter como objeto de conhecimento o incomensurável, não pode nem endossar nem negar a religião. Para negar a religião é necessário, na verdade, postular a priori a inexistência do incomensurável.

Não podendo recorrer à ciência natural para alcançar uma resposta sobre o que a transcende, aquele que não aceita tal restrição apriorística tem de buscar respostas na Metafísica e na Religião.

Julio Lemos tem razão ao afirmar que a impossibilidade da comprovação empírica das verdades que transcendem o mundo empíreo dá margem a uma multiplicação enorme de sistemas doutrinários. No entanto, é possível aplicar critérios racionais para verificar qual delas deve ser escolhida. Os critérios são os seguintes
(1) Excelência moral entre os que praticam e ensinam aquela doutrina
(2) Comprovação pessoal de que a prática dos preceitos ensinados resultaram em um aperfeiçoamento pessoal
(3) Percepção de que a influência histórica daquela doutrina foi positiva para a civilização
(4) Perenidade e unidade

Muitos outros critérios úteis e válidos são possíveis, alguns dos quais foram bem destacados por Renato Rocha.    

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