sexta-feira, 29 de março de 2013

Na periferia do coração

Existe em cada um de nós uma tendência de se colocar como o centro do universo, apoderando-se para si do papel de protagonista da história universal. Há aquele desejo de que toda a realidade se curvasse aos desejos pessoais, ao mesmo tempo que a imaginação cria suas fantasias baseadas na noção de que felicidade é viver em um mundo onde o querer pudesse sempre e a todo momento ser satisfeito. O dinheiro parece prometer essa façanha, tanto mais perfeitamente quanto maior a quantidade.

Como consequência, muitos atribuem o valor ao outro na proporção de sua capacidade de satisfazer os seus desejos. Quem faz e acontece são aqueles que tem dinheiro, fama, poder, beleza, poder de atração sexual, carisma etc. A lógica é simples, embora não evidente e nem mesmo patente para os homens.  Eis a lógica: viver é sentir prazer, vive mais quem sente mais prazer, sente mais prazer quem mais satisfaz a sua vontade. Portanto, essa é a pessoa que queremos ser: o mais capaz de satisfazer a vontade própria.

Isso explica a razão da admiração quase sobrenatural que os atores, modelos, atletas e outros ricaços despertam sobre a grande massa. Constrói-se a partir dessas figuras também mortais e frágeis, a imagem de seres plenos, perfeitos e felizes, detentores de um querer ilimitado e livres de toda privação e sofrimento. Como consequência, a massa se espelha neles e deseja alcançar o seu lugar entre os deuses do olimpo de uma miragem coletiva. Além de ver aí a possibilidade do prazer ilimitado e da concretização do seu protagonismo universal a que me referi inicialmente, ilude-se pensando que a fama, o poder e o dinheiro a fará amada por todos.

Sim, há também em todos nós, como consequência da ilusão do protagonismo universal, e talvez por muitos outros e mais misteriosos motivos, um forte desejo de ser amado por todos, de ser considerado especial, de desejar que o mundo inteiro se enchesse de pesar e preocupação pelos nossos problemas. Essa impressão ainda amplifica mais a admiração pelos famosos, pois dá sustento à falsa noção de que eles sim tem toda essa atenção do mundo. Mal percebem que, na verdade, essa admiração é apenas um efeito da projeção dos anseios da massa em um ídolo e que, na realidade, não há aí nem mesmo um pingo de amor. Um famoso não é amado, é, na melhor das hipótese, idolatrado.

Por outro lado, há o extremo oposto. Assim como todos quereriam para si essa posição entre falsos deuses mortais, todos tem um pavor imenso de ser contado entre os pobres, fracos, imperfeitos, feios, chatos, excluídos, desonrados, tristes, deprimidos e impopulares. Em geral, o ser humano evita se parecer ou estar entre os que são considerados a escória, ao passo que fazem de tudo para se parecer com a nata.

Em pequena escala, todos já tiveram a experiência desse importante fenômeno antropológico na escola durante a infância  Pode-se ir da mais alta posição de popularidade à mais baixa condição entre a escória. Isso mostra que de fato não há um fundamento objetivo na avaliação do indivíduo pelos demais, mas um efeito coletivo de medo e desejo que leva à divinização de alguns e à crucifixão de outros.

O medo de estar entre a escória, cria um mecanismo de atribuição de toda imperfeição a um ou poucos indivíduos. Esses são isolados e ridicularizados. Isolados, pois a amizade com eles pode fazer com que o amigo seja contado entre eles. Ridicularizados, pois ao feri-los, pretende-se reforçar aos demais que você não é um deles. E são jogados para a periferia do coração. E sofrem o pior que alguém pode sofrer, o desamor coletivo, injusto, na infância.

Como consequência, muitas pessoas, que sempre tem o seu lado bom, que sempre tem algo precioso para dar, que sempre tem algo de único, valioso, sofrem uma injustiça de cortar o coração. Foi o que aconteceu com Cristo. A lógica humana queria o outro modelo, do poder, da fama e do dinheiro, imaginando que Deus, se fosse de fato Deus, o demonstraria através de um enviado com esses atributos construídos por uma humanidade adoentada pelas suas paixões e seu egoísmo.

Mas não, enviou alguém que, no momento do calvário,

"Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele. Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas." (Is 53, 3-5)

Nessa vida, vi pessoas passarem por algo parecido, até mesmo na infância. Dá-me grande consolo saber que o próprio Deus se compadeceu desses sofrimentos e quis para si o pior de todos. E fica tão claro, tão claro, o poder purificador do sofrimento. Quem sofre injustiça, muda para melhor, consegue sair da dimensão do egoísmo e aprende a importância de amar. Existe uma enorme beleza no sofrimento, mas são tão poucos os que conseguem ver isso.

Não é possível explicar, descrever, a linguagem não é capaz de transmitir o que apenas o coração pode entender. O nosso entendimento é muitas vezes enganado pela crítica de que amar o sofrimento é masoquismo. Na realidade, todos passamos mesmo pelo sofrimento em algum momento da vida; o mundo está separado entre os que se rebelam, não se conformam, e culpam a Deus por um maior bem que lhes quer dar e os que entendem, no íntimo do seu coração, a transformação maravilhosa que Ele opera nos que confiam, apesar do sofrimento.