quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ocultamento, informação e obediência


Alguns pessoas dentro da Igreja querem passar a impressão aos fiéis leigos de que tudo ali dentro funciona em perfeita ordem e harmonia. Às vezes se justificam dizendo que, assim como as crianças pequenas de uma família não devem ficar sabendo das ameaças e crises familiares, para não ter a sua felicidade pueril destroçada, também os fiéis comuns devem ser poupados das más notícias.

A prudência comum mostra que de fato é melhor não impor às crianças o fardo do conhecimento das realidades duras da vida. Mas a comparação com os fiéis da Igreja não é válida, pois já não são mais crianças. Se por um lado é natural que assuntos internos relativos à administração da Igreja não precisem ser de conhecimento público, devem pelo menos ser de tal modo conduzidos que, caso fosse levantada alguma suspeita, todas as atividades até então conduzidas em discrição pudessem ser integralmente reveladas, sem receio algum de que alguma irregularidade fosse encontrada.  

Na realidade, bem sabemos que em todas as realidades temporais e também nas eclesiais, existem enormes faltas à lei de Deus e à moral cristã. Logicamente, quando há falta, quase sempre há ocultamento, pelo simples fato de que as pessoas envolvidas não querem ser punidas e desejam continuar se beneficiando das iniquidades que praticam em segredo. Por outro lado, há também o ocultamento dos escândalos promovido com o objetivo de salvaguardar a reputação da corporação que sairá inteiramente lesada pela má conduta de poucos.

Esse último tipo de ocultamento é mais compreensível do ponto de vista ético, e muitas vezes é praticado por pessoas boas, que tem a intenção de proteger a integridade da corporação. Isso acontece na Igreja. Essas pessoas estão na realidade entre os que mais sentem indignação pela má conduta alheia, pois, ao colocar em risco a reputação da instituição, ela simultaneamente fere a reputação e boa fama daqueles que se entregaram sinceramente por ela.

Não é um dilema de fácil solução. Se, por um lado, a revelação do mal fere a instituição como um todo, por outro lado, o ocultamento permite que a má conduta seja perpetuada, se fortaleça e acabe destroçando a vida de mais e mais pessoas inocentes. Uma possível solução para o problema consiste em aplicar severas penas em âmbito interno, conservando em segredo do mundo exterior todo o processo e suas causas.

Em alguns casos essa solução pode ser aceitável, mas em outros a revelação da informação pode ser necessária para que as pessoas inocentes possam se proteger. Além disso, se por um lado a instituição pode perder sua boa fama quando um escândalo vai a público, por outro lado a exemplaridade de um julgamento  público e transparente tende a desestimular a ação dos corruptores, ao mesmo tempo que conquista a confiança dos homens de boa vontade.

Cristo bem ensinou que é necessário ser manso como as pombas, mas esperto como as serpentes. Os leigos não podem se comportar como crianças, nem mesmo os jovens. Não podem ser ingênuos, pois quem é ingênuo corre maior perigo. Há bons e maus pastores dentro da Igreja. Um certo grau de desconfiança com relação às pessoas e instituições da Igreja não pode ser reprovada como uma atitude de desconfiança com relação a Deus, pois o homem é falível. Maldito o homem que confiou no homem!  

Algumas raposas e lobos espertos utilizam um discurso bastante capcioso para conquistar à força a confiança dos fiéis. Esse discurso, podendo apresentar as mais diversas e rebuscadas formulações, consiste em persuadir o outro de que é um representante de Deus e que tudo o que diz e manda é a própria vontade divina e ainda que desconfiar disso é o mesmo que desconfiar de Deus. De fato, a autoridade da Igreja, representada pelos seus ministros (padres, bispos), deve ser respeitada pelos fiéis como procedente de Deus. Mas essa autoridade não é incondicional; como os homens são falíveis, sua autoridade deve passar pelo crivo da razão iluminada pelos mandamentos. Além disso, o escopo da sua autoridade se restringe exclusivamente ao campo espiritual.

Esse critério é válido para um leigo, que, não estando sob os vínculos do voto de obediência, tem resguardada a integridade da sua auto-determinação dentro dos limites da lei de Deus. Um monge ou um frei, pelo voto de obediência, entrega sua auto-determinação e se dispõe a obedecer a tudo o que não fere a lei de Deus. Um monge precisa da autorização do abade para sair do monastério, mas logicamente um leigo comum não precisa de autorização eclesiástica para deixar sua casa ou até se mudar de país!

Um tradicional critério sobre a obediência, diz que ela é virtuosa apenas quando exercida em razão da autoridade de quem manda e não das suas qualidades. Isso é verdadeiro, mas também é verdadeiro afirmar que a obediência só pode ser virtuosa quando não atenta contra a consciência formada nos mandamentos de Deus. Tomar em sentido amplo e irrestrito uma afirmação do tipo "quem obedece nunca erra" pode levar a erros monstruosos. Erra sim quem comete um crime a mando de um representante eclesiástico. A intenção dessa frase é transmitir a idéia de que agir em obediência a um autêntico representante de Deus, no âmbito sob cuja autoridade se está vinculado, sempre é proveitoso, mesmo que apenas do ponto de vista espiritual.

Há muitos fiéis dentro da Igreja que foram duramente traídos pela infidelidade de seus pastores. Penso na já bem conhecida história do fundador de um famoso movimento contemporâneo, que exigia uma rigorosa obediência dos colaboradores mais próximos, que era muito hábil em conseguir doações de fiéis ricos, que tentou sabotar outros movimentos da Igreja, e, que depois de tanto tempo praticando suas iniquidades, ao fim da vida, teve todas suas más obras reveladas ao grande público, causando grande dano à instituição que fundou, formada por pessoas muito bem intencionadas. Por isso, não sejamos mais ingênuos como as crianças. E, para isso, não podemos ter medo de buscar a informação, pois a informação verdadeira é recurso imprescindível para a aplicação acertada de todo julgamento prudencial.    

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A recente notícia da renúncia do papa me abalou. Tinha e continuo tendo total confiança em Bento XVI. A razão do meu desconforto foi a perda da segurança que esse papa corajoso e fiel me dava. A segurança de que a Igreja estava sendo protegida dos lobos que trabalham dia e noite para envenená-la através da corrupção moral, doutrinal e física do seu corpo. Mas, depois de analisar os fatos, e ponderá-los, entendi que a renúncia de Bento XVI foi necessária em um momento em que talvez a sua debilidade física e mental já não permitisse mais o enfrentamento dos lobos de dentro e de fora. Tenho total confiança de que o próximo papa deve continuar esse serviço corajoso. O papa Bento XVI foi o papa da Eucaristia, aquele que firmou a Igreja nesse pilar. Deus queira que o próximo seja aquele a firmar a Igreja no pilar de Nossa Senhora. Apoiados nesses dois pilares, a Igreja resistirá e vencerá os seus inimigos, cumprindo-se o sonho profético de Dom Bosco.            


          


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