sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O caminho da física. Parte 2: física e sociedade

Nos dias de hoje, tenho a impressão de que a imagem do físico no Brasil ainda está associada à do cientista maluco perdido em especulações estapafúrdias que o deixam totalmente e permanentemente  desconectado da realidade que o cerca. Dessa visão estereotipada muitos concluem que esses cientistas fazem parte de uma classe de pessoas dedicadas a tarefas sem o menor impacto na sociedade e cuja existência é absolutamente dispensável. Na melhor das hipótese, a sua mais notável contribuição para história foi o desenvolvimento da famigerada bomba atômica.

Sim, sua existência é absolutamente dispensável para todo aquele que se dispusesse a voltar a viver no tempo em que todas as tecnologias baseadas na eletricidade e na mecânica industrial simplesmente não existiam. Nada de carro, roupas baratas, luz elétrica, televisão, computador, celular, eletrodomésticos etc. Alguns acham tudo isso um grande exagero e chegam a afirmar que esses avanços são apenas o resultado do esforço de homens empreendedores que  no fundo do quintal de suas casas deram à luz todos esses produtos como em um passe de mágica. Outros atribuem tudo isso apenas às forças econômicas que impulsionaram inevitavelmente todo o desenvolvimento tecnológico. Por qualquer que seja a razão, todas essas explicações não querem atribuir importância para o único fator  que teve papel decisivo: as ciências físicas, pois não existindo esse método de trabalho e investigação teria sido absolutamente impossível o desenvolvimento dessas tecnologias.

Há uma visão de mundo que tende a desprezar totalmente o papel dos indíviduos na formulação de novas tecnologias. Quem usa um computador ou um celular, ou o seu idolatrado iPhone, dificilmente parou para pensar  que tudo isso seria impossível se não fosse resultado de anos de trabalho e pesquisa de muitos físicos, químicos e engenheiros.  Há uma densidade tão grande de conhecimento e trabalho acumulado dentro de uma placa mãe de um computador que nem mesmo a cabeça do tecnólogo com a mais vasta formação científica é capaz de abarcar.  É lógico que esse trabalho precisou e sempre precisará do suporte financeiro. Mas o investimento por si só não é garantia de nada. Os verdadeiros agentes das grandes revoluções científicas e tecnológicas são os cientistas e não os empreendedores que investiram o seu dinheiro nisso.

A quantidade de tecnologias hoje consideradas indispensáveis no dia-a-dia que saíram diretamente dos laboratórios desses físicos "malucos" é tão grande que espanta que a sociedade brasileira seja incapaz de entender a importância desse profissional. Nossa sociedade tem demorado muito tempo para se dar conta da sua relevância para a economia. Em parte, isso se deve a incapacidade do ensino de física no nosso país de mostrar aos alunos o impacto da física na sociedade através de exemplos das tecnologias presentes no dia-a-dia.

A regulamentação da profissão do físico, cuja aprovação legal já está em fase avançada, é um passo que poderá ajudar a criar um ambiente favorável para esse profissional na economia do nosso país.  No entanto, é sempre bom lembrar que a lei não pode por si só criar uma cultura de prestígio ao físico nos mais diversos ramos do mercado de trabalho. Esse prestígio deve ser conquistado pelos próprios físicos, ao mostrar que seu trabalho pode fazer muita diferença. Esse reconhecimento tem sido conquistado pelos físicos em muitos ramos da atividade profissional, mas ainda falta muito para que sua importância seja amplamente reconhecida aqui no Brasil.

A dimensão do impacto que esse profissional teve nas grandes mudanças tecnológicas no último século pode ser aferida pelo trabalho dos laureados pelo prêmio Nobel. Logo na sua primeira versão, em 1901, o  alemão Wilhelm Conrad Röntgen recebeu o prêmio pela descoberta dos raios X . Quem nunca passou por uma radiografia? Em 1956, os americanos John Bardeeen, Walter Houser Bratain, Willian Bradford Shokley  receberam o premio pela descoberta do transistor e suas propriedades. Ninguem sabe o que é um transistor, é bem verdade, talvez por ser intrinsecamente complicados. Mas eles são utilizados em todos os dispositivos eletrônicos modernos, do computador, passando pela máquina de lavar, ao radinho de pilha.  Em 2009, a dupla de americanos Willar Boyle e George Smith compartilharam o prêmio pela invenção do sensor CCD (charge-coupled device), utilizado nas câmeras digitais modernas. No mesmo ano, Charles K.  Kao, nascido em Hong Kong, recebeu o prêmio pelas suas investigações que levaram ao desenvolvimento da fibra óptica. E isso tudo é apenas uma minúscula amostra das invenções tecnológicas de grande impacto que aconteceram graças ao trabalho experimental do físico.

Digo tudo isso pois já está na hora de a sociedade reconhecer uma importante vocação de muitos físicos: enfrentar os grandes problemas tecnológicos de grande relevância para o destino da sociedade. Para isso,  não é necessário destruir aquela imagem pitoresca do físico maluco e genial, unicamente envolvido em suas especulações esotéricas. Mas é desejável sim tornar presente nas mentes do grande público uma imagem que corresponda a um profissional profundamente envolvido nos problemas tecnológicos reais, palpáveis, cujos desdobramentos podem ter um impacto brutal no dia-a-dia de todos nós.    

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