domingo, 21 de outubro de 2012

O desejo régio

Cada ser humano nasce com o desejo de reinar. Deseja no mais íntimo do seu ser desfrutar de um mundo totalmente submetido à sua vontade. Gostaria de ter sob sua posse única e exclusiva todos os recursos da terra. Não descansa enquanto não conseguir construir para si um castelo provido de todos os produtos de sua imaginação. Quer conservar sob total controle seu parceiro sexual e sua prole.

Se tantos obstáculos não se impusessem a esse impulso do coração humano, ninguém conheceria o sofrimento. O principal obstáculo é esse mesmo desejo presente nos outros. O outro é o maior obstáculo à vontade própria. Se o indivíduo deseja para si uma propriedade territorial, uma pessoa ou outro bem, terá sempre que competir com outros caso esse bem seja escasso. Não é preciso dizer que essa competição será tanto mais feroz quanto maior for a demanda e menor a oferta do bem desejado.

Na luta pelo bem desejado, tão grande é a sede imposta pela vontade, que pela sua conquista o indivíduo arrisca a própria vida e ameaça a do outro no combate.

Essa realidade está presente também entre muitas espécies animais. O leão, na procura por sua parceira, se encontra outro leão na posse de harém e prole, travará combate, e, se ganhar, ficará com o harém e matará a prole do antecessor.

Entre os seres humanos, acontece o mesmo. Mas, dotado de consciência e inteligência, é capaz de entender a própria condição. Essa capacidade lhe dá a possibilidade de adotar novas estratégias ou até mesmo de se recusar a entrar na disputa.

Mas ainda assim enfrenta um novo sofrimento: se recusar a disputa, não terá o prêmio, e se frustrará. Se, por outro lado, já tem para si um reino, ele estará sempre ameaçado pelos leões mais novos. Para proteger o seu reinado, terá de criar muitas camadas de muros, utilizando toda a sua força, sobretudo intelectual, para barrar o inimigo.

Mas a ordem do universo é de tal modo orientada que contra o tempo nenhum rei pode lutar. A inteligência degenera em loucura e a força em impotência. O coração jovem do outro, repleto de desejo, pisa sobre as cinzas do antigo rei, para se tornar um rei cujas cinzas um dia também serão pisadas.

E assim muitos entendem que o mesmo universo que engendrou a criatura é totalmente indiferente ao desejo que ela mesma inscreveu à ferro e fogo no seu coração. E a criatura inteligente angustia-se na percepção de que sua vida foi uma paixão inútil. Um mar sem fim de Absurdo esmaga e afoga toda e qualquer esperança.

Ecce homo.            

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