sábado, 17 de novembro de 2012

Espírito Esportivo

Na postagem Coração das Trevas conclui o texto propondo um paradoxo. Um paradoxo é sempre uma contradição aparente e em geral a solução dela não é trivial. Trata-se de um paradoxo existencial, que há bastante tempo me tem consumido horas de reflexão. Meu objetivo agora é mostrar aquela que é, por enquanto, a solução mais satisfatória que encontrei.

Formulei o paradoxo com as seguintes palavras:

Se, por um lado, a disputa é evitada, não há conquista, e o indivíduo se frustra, pois não alcança o seu desejo, e ainda é visto como covarde pelos outros. Se, por outro lado, entra na disputa, pode ferir e destruir, deixando atrás de si um rastro de destruição, ou ser aniquilado.

 A primeira frase é verdadeira sempre que um indivíduo foge da disputa em todos as ocasiões. É alguém que sempre se deixa dominar pelo medo. Acaba passando a impressão de que não há nada pelo que vale à pena lutar e passa a ser visto pelos outros como um sujeito bonzinho, manso e inofensivo. E é bem verdade que esse indivíduo vai acabar frustrado, muitas vezes assumindo a fama de bonzinho, acreditando que nisso há alguma virtude.

A realidade mostra que toda luta é um empreendimento em que se coloca algo de si em risco. Mas nem toda luta precisa deixar um rastro de destruição. Observei que o homem aprendeu a humanizar a disputa. Gosto da definição de homem, cuja autoria é atribuída a Raimundo Lúlio, de acordo com a qual o homem é aquele que humaniza. E o modo como o homem humanizou a disputa foi através do espírito esportivo ou, simplesmente, do esporte.

Quando alguém diz que é necessário ter espírito esportivo, entende-se bem o que se quer dizer. Significa que não há mal algum em entrar na disputa para vencer, contanto que não se utilize da trapaça e de práticas desleais para garantir a vitória. Significa que não há mal em comemorar a vitória com emoção e alegria, contanto que não se humilhe o derrotado. Significa também que não há mal em sentir a angústia da derrota, contanto que isso não acabe por degenerar em desejo de vingança ou depressão.

Entenda-se que o espírito esportivo não se aplica apenas ao âmbito estritamente esportivo. Na realidade, o esporte é um espaço simbólico que serve como "sala de aula" para a aprendizagem e ensino de um comportamento que humaniza as disputas reais da vida. Não é um jargão vazio dizer que o esporte é um meio eficaz para "tirar a juventude" das drogas e da criminalidade. Também não é ingenuidade afirmar que os jogos olímpicos tem uma função fundamental de pacificação entre as nações.

As realidades humanas, como o esporte, estão sempre dotadas de uma densidade enorme, mas quase imperceptível, de significado antropológico. O que os mais intelectualizados (e chatos, talvez) dentre os homens tentam fazer é colocar em evidência esse significado. Mas entre os "intelectuais" há duas posturas. A primeira é a do racionalista, que se acredita capaz de esgotar em seu sistema lógico todo o significado das realidades humanas, trivializando-as. Esse acaba colocando-se acima dos outros "reles mortais" inconscientes das verdadeiras motivações por trás das suas ações. A segunda é a do verdadeiro filósofo, que  se admira do ser humano, e percebe a riqueza inesgotável contida nas diversas manifestações de humanidade.  Em vez de ver o outro - em especial os antepassados - com desprezo, entende que a sabedoria que o passado transmite é muito maior do que a sua.         








       

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