domingo, 18 de março de 2012

A banda Trupe Chá de Boldo e seu novo CD "Nave Manha"

Estive na sexta-feira (16/03/12) no show de estréia do segundo CD  da banda Trupe Chá de Boldo “Nave Manha” no Sesc Vila Mariana. Nunca tinha escutado nem sequer uma única música da banda, mas motivado pela amizade de muitos anos com o baterista, Pedro, quis conhecer ao vivo e pela primeira vez a música da Trupe. Se você nunca ouviu falar na “Trupe Chá de Boldo” então o melhor é escutá-los para tirar as próprias conclusões (em um um movimento de grande generosidade, a Trupe disponibilizou para download o seu último CD no site oficial www.trupechadeboldo.com). Mas se já os conhece, então essa apreciação poderá encontrar alguma ressonância na composição de impressões pessoais do leitor.   

Penso que perguntar qual é o estilo de uma banda está entre as perguntas mais naturais e espontâneas a se fazer sobre uma banda desconhecida. No caso da Trupe, não é fácil encontrar uma resposta simples, pois penso que ainda não há um estilo dentro da imensa categoria de classificações que a define perfeitamente. Arrisco a dizer que apenas as bandas medíocres podem ser bem definidas por uma dessas categorias. Bandas de verdade tem um estilo e personalidade próprias, isto é, são únicas pois encerram completamente em si mesmas o seu próprio estilo. Mas a Trupe não está nem aí para que estilo a define. Por aproximação, o melhor que podemos fazer é tentar assimilar e depois expressar da melhor forma possível as suas influências.

E de fato é a essa pergunta que a própria Trupe responde  na música “Splix”, lançada em seu novo CD, provavelmente em resposta geral a essa indagação tão frequente e tão frequentemente irritante. Mas tenho que admitir que permaneci boa parte do show tentando assimilar os estilos ali impressos e as suas possíveis influências. A sua fonte de influência mais direta é a vanguarda paulistana, que tem como representantes nomes e grupos como Rumo, Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. Mas há ali também elementos que fazem lembrar Mutantes, Gilberto Gil, Tom Zé, Novos Baianos, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Lenine e Ney Matogrosso.  Percebe-se no seu estilo aquela mesma desvinculação proposta pelo tropicalismo dos moldes canônicos de música brasileira.

Graças à presença de uma formação diversificada a banda é capaz de transitar facilmente por vários estilos e compor influências mais contemporâneas, como o Reggae e o Ska, com estilos brasileiros tradicionais, como o Samba e o Frevo.  E penso que é precisamente isso o que faz a Trupe uma banda especial. Precisamente, a possibilidade unida à competência para compor muitos estilos diferentes. De fato é muito raro encontrar uma banda  que já nasce com metais, percussão e backing vocals femininos afinadíssimos, além da composição básica guitarra-baixo-bateria. É uma banda que já nasceu com essa potencialidade gigantesca de compor diversas tonalidades musicais em um mesmo quadro. E, na minha opinião, souberam aproveitar essa possibilidade para expressar musicalmente com precisão as idéias presentes nas letras.

Todas as músicas servem de exemplo para o que acabei de dizer, mas apenas para tornar concreto o mais abstrato utilizo o exemplo da música “Verão”, em que toda musicalidade ali presente remete ao calor e às cores do ambiente da praia e, é claro, a um estilo tão facilmente associável ao mar como o Samba-Reaggae. De fato, a sensibilidade artística de quem montou a iluminação do show o conduziu naturalmente a adotar composições de cores quentes, como o vermelho e o amarelo. Da mesma forma, na música de abertura, “No escuro ”, a letra que remete a realidades tipicamente paulistanas está acompanhada de ritmos próprios da música de fundo dessa grande cidade cosmopolita, como o Samba-Jazz e o Rock.

Além dessas características, afirmo que atualmente a Trupe é uma banda de forte pegada rítmica. Para falar de modo mais simples, é uma banda que faz música para movimentar e dançar, embora não esteja muito seguro se existe de fato uma intenção explícita do grupo. Mas o resultado prático das suas músicas é esse. Foi engraçado assistir ao show em um teatro de cadeiras fixas quando o desejo do público era levantar e dançar! A inibição só foi totalmente vencida no bis, conquistado depois de muita insistência do público, quando todos preferiram ficar de pé em vez de voltar a sentar...

Agora arrisco-me a discutir uma pergunta mais ousada: a Trupe chegará um dia a conquistar o sucesso do grande público? De modo geral, a receita do sucesso envolve a capacidade de compor melodia facilmente assimilável com harmonia e ritmo envolvente, e uma letra capaz de produzir uma ressonância quase universal nas mentes tão díspares do grande público. Mas é evidente que a Trupe não é banda de seguir receitas de sucesso.

Como quase toda manifestação artística em seu estágio embrionário, é uma banda que dialoga com um grupo bem particular pertencente ao seu círculo de influência. Para o grande sucesso, o grau de universalidade exigido é a capacidade de tocar tipos tão díspares como um evangélico e um ateu contumaz, um pedreiro e um cientista, um “pós-hippie“ contestador e um conservador “careta”, uma criança e um velho. Se ela alcançar essa façanha, e acho que há boas chances de conseguir, pergunto-me com que música seria. Pagaria para ver. Outra façanha é  manter uma banda tão grande por um bom período de tempo, e espero que dessa ela seja capaz...

Sem dúvida, o perfil de uma banda se delineia ao longo de sua história para alcançar o seu ápice em um estágio posterior, assim como a personalidade só revela a sua verdadeira potencialidade na conquista da maturidade. Mas nem todos chegam à maturidade...  Nem todas as pessoas nem todas as bandas. O que da minha parte posso dizer é que desejo continuar escutando as coisas novas que essa criatura tem para falar ao mundo por muitos anos. Então, ao final, teremos um idéia completa do que ela realmente falou ao mundo.

Na música “Splix”, o refrão diz que “a música é só uma onda, curta”. Não tenho nada contra curtir, mas é bom ter claro que a música é muito mais do que o som e portanto mais do que uma onda. Na melhor das hipóteses, “o som é só uma onda” é apenas uma definição física imprecisa facilmente assimilável mas pouco aceitável para nós físicos... E para nós físicos os corpos também são onda, mas, certamente, assim como a música, o ser humano é muito mais do que uma “onda-corpo”.

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