quarta-feira, 4 de julho de 2012

Bulgária, o país das flores

Em um domingo entrei em uma van contratada pela organização da conferência para nos levar de Sofia para Kiten, uma pequena cidade na costa do mar negro, não muito longe de Istambul. O dia estava nublado, mas quente e abafado por causa da humidade. É verão na Europa, e na Bulgária faz calor. Não tão insuportável quanto o verão no Rio de Janeiro.

O trajeto perfaz uma estrada que corta o país de oeste a leste. O país é montanhoso, sobretudo a oeste, onde o território contém uma boa parcela das montanhas dos balcãs. Cadeias de montanhas rochosas de modesta altura se estendem de oeste a leste, até as proximidades do mar Negro. A estrada foi construída em um vale com belíssimos campos repletos de plantações de girassóis. As casas das vilas rurais nas proximidades da estrada são simples e pobres, mas bonitas. Tem flores nas janelas, hortas no quintal e parreiras para enfeitar a entrada das casas. Como são pobres, nem sempre contem revestimento externo, e, se tem, nem sempre são pintadas. Montanhas de feno fazem lembrar as pinturas européias dos séculos passados.    

Em Kiten, um novo cenário se revela. Ruas movimentadas, pequenos prédios de cores vivas, parque de diversão improvisado, crianças nadando nas piscinas dos hotéis... Logo chegamos à entrada do hotel. Era um prédio que se destacava na pequena cidade de Kiten com os seus onze andares. De aparência simples e pouco acabamento, tinha uma arquitetura peculiar. Esse hotel pertencente a universidade me fez lembrar muito as colônias de férias da Associação de Funcionários Públicos de São Paulo. Apenas dois elevadores para todo o hotel, sendo que: (i) um deles estava quebrado; (ii) dois era o limite máximo de ocupantes no elevador e (iii) um deles fazia apenas andares ímpares e o outro apenas andares pares e, finalmente (iv) cada andar tinha seis apartamentos cada um com quatro camas! Mas o hotel não estava lotado nem os apartamentos. Fiquei sozinho no meu apartamento, pois o meu suposto colega de quarto mudou-se para o quarto do seu amigo. Menos mal...

Mas esses são apenas detalhes... Pelo preço da conferência estava até barato. As refeições eram boas e o quarto tinha até uma varanda com um largo varal para estender as roupas. Bom, a comida na Bulgária também é peculiar, mas bastante adaptável ao paladar brasileiro. Há uma diversidade muito grande de saladas. A salada de pepino com tomate não faltou em nenhuma refeição, nem mesmo no café da manhã. Com acréscimo de um queijo branco ralado típico da Bulgária, vira a "salada Chopska". Também é muito comum encontrar carne grelhada, de todos os tipos.  Há que tomar certo cuidado, pois no caso de a carne não ser grelhada, pode ser gordurosa demais... Além disso, há que tomar cuidado com a quantidade inumerável de pequenos quiosques vendendo churrasco grego com batata frita. Não me arrisquei... Mas Bulgária é famosa também pelo seu Yogurt e o que experimentei de fato era bom. Fui informado de que existe uma variedade de bactéria típica da Bulgária para produzi-lo.   

As primeiras impressões que tive sobre a Bulgária foram totalmente contrariadas após algum tempo em Kiten. Ali, onde a liberdade de um novo mundo livre deixou o verdadeiro espírito do povo aflorar, entendi melhor qual era a verdadeira fisionomia do povo búlgaro. E o que vi me lembrou um pouco um mundo de brinquedo, de menina, talvez. Cores muito vivas, muitas vezes o cor de rosa na fachada das casas, flores nas varandas, aromas de óleos e cosméticos de rosa, letreiros com fontes chamativas e cores quentes, bares com decoração extravagante, poltronas ostensivas em vez de bancos nos bares e restaurantes. Depois de um tempo, tudo começa a parecer irreal, quase ilusório, doce demais. Em todo canto, a cada metro quadrado, havia um quiosque repleto de roupas extravagantes à moda antiga penduradas em cabides para a montagem de fotos envelhecidas. Tão artificial que chegava a ser repulsivo.

O povo búlgaro é bonito, mas sempre há exceções, como em todo o lugar. Encontra-se ali uma variedade muito grande de fenótipos, o que é reflexo da confluência muito grande de diferentes povos na região ao longo da história. Mas o perfil dominante é europeu, e não turco ou asiático. Não há dúvida; milagrosamente, os búlgaros sobreviveram a uma dominação do império turco-otomano de mais de 500 anos. Mas sobre isso voltarei a falar depois.

Pelo incrível que pareça, o Mar Negro não é negro. Suas águas esverdeadas são mais transparentes e limpas do que a média das nossas praias paulistanas. E, no verão, as águas são quentes, como a do Nordeste. Acho que não se fica muito longe da verdade ao imaginar a costa do Mar Negro como a Flórida da antiga União Soviética. Eu e mais dois estudantes vindos da Suécia, um de origem australiana e outro de origem tcheca, no Mar Negro. E imaginar que esses dois estudantes descendiam de homens que tinham sido prisioneiros de guerra... Não era só imaginação, era fato. Um dos avós do Australiano foi prisioneiro dos japoneses; era obrigado a andar agachado na frente dos soldados japoneses para não por em evidência sua superioridade em estatura; caso contrário, era castigado com tapas e humilhações.      

Um estudante búlgaro me surpreendeu ao me perguntar sobre a fábrica de motores elétricos WEG. Fiquei quase emocionado quando ele me falou sobre as qualidades desses motores, elogiando as soluções propostas por seus engenheiros e implorando por mais informações a respeito dessa empresa. Não pude dizer nada além de que ela ficava em algum lugar de Santa Catarina. Acho que se me tivesse perguntado sobre samba poderia ter-lhe dado mais informações. Era um sujeito um tanto quanto peculiar, simpático, levemente autista, apaixonado pela engenharia dos motores elétricos. De acordo com ele, a Bulgária já foi uma grande potência em motores elétricos. Ao comentar com ele sobre a impressão que tive ao conhecer Sofia, me fez ver as coisas com outra perspectiva mais uma vez. Aqueles prédios toscos, que tinham me transmitido uma impressão não muito agradável, teriam sido construídos, segundo ele, em um período de pós-guerra, quando a uma grande quantidade de migrantes do campo arruinados pela guerra foi dada um chance de reconstruir a  vida na cidade, trabalhando nas fábricas. De acordo com ele, embora os prédios não sejam lá essas coisas em beleza, são robustos o suficiente para aguentar os abalos sísmicos. Sua visão favorável ao regime socialista ficou clara; na sua perspectiva, durante seus 23 anos de vida testemunhou e assistiu o país cair em uma grande depressão e mediocridade. A admirável indústria de motores elétricos simplesmente acabou. Uma significativa parcela da população búlgara emigrou para fora. Sobraram muitos ciganos e turcos, que, de acordo com ele, formam uma sociedade a parte. A propriedade dos búlgaros estaria constantemente ameaçada pelos ciganos.

Ao entrar em uma rede de restaurante "fast food" espalhada por vários pontos do país fiquei pasmado com as fotos de mulheres sensuais seminuas espalhadas por todos os cantos. Acho que isso faria qualquer brasileiro médio corar de pudor. Que a mulher seja explorada como objeto em propagandas na civilização ocidental moderna não é novidade para ninguém, mas aquilo era descarado demais para aquele tipo de ambiente, onde a qualquer momento poderia entrar marido e mulher com seus filhos. Nas propagandas e nas ruas de Sofia, nota-se em alguns lugares, à plena luz do dia, um ambiente carregado desse tipo de comércio sujo.  Os guias que me foram distribuídos junto com o material da conferência mostravam, ao lado da propaganda de um restaurante, uma propaganda de baixo nível como se fosse a coisa mais normal do mundo. Em alguns lugares sente-se no ar um clima de hedonismo corrosivo e putrefaço. Suspeito que o mesmo ocorra em muitos outros lugares desse universo do leste europeu. E também deste universo tupiniquim.

No entanto, vi também muitas famílias jovens, com mais de um filho, passando suas férias em Kiten. Suspeito que o mundo sempre foi palco de grandes contrastes. A loucura do mundo moderno é pensar que pode relativizá-los. Ao entrar em uma loja que vendia ícones orientais e jóias, uma belíssima atendente que falava inglês comentou um pouco sobre o modo como encarava o cristianismo. Diferentemente de nós, católicos, as verdades de fé e a crença em Jesus Cristo Filho de Deus não são tão relevantes. O cristianismo é apenas uma atitude, uma roupagem indispensável para a composição da cultura búlgara. Alguns santos búlgaros, com os seus atos heróicos de defesa aos pobres e à pátria, poderiam ser colocados no mesmo patamar ou acima de Jesus. Enfim,  Jesus seria apenas mais um entre esses homens santos, admiráveis, dignos de simpatia e veneração. O que o meu amigo búlgaro fez ao comentar a respeito do assunto foi apenas generalizar aquela atitude particular; a sua impressão, na perspectiva de alguém que se declarou agnóstico, era a de que o cristianismo era encarado pela maior parte das pessoas na Bulgária apenas como uma roupagem, sem a menor influência em suas vidas.

Há ainda tantas outras coisas para falar, mas vou deixar para a próxima postagem... To be continued... 

 

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